terça-feira, 21 de maio de 2013


"Telegramática, bom dia!"

Luiz Henrique Gurgel

Quem nunca ficou em dúvida na hora de usar o hífen? Ou jamais deu aquela parada para pensar se determinada palavra se escreve com ‘s’, com ‘z’, ‘x’ ou ‘ch’? Ou ainda se enroscou na hora de redigir uma carta
para a namorada, um bilhete ou e-mail para o chefe, um relatório no trabalho ou uma petição para um órgão público? Ou ficou sem entender nada na hora de consultar a bula de um remédio?


Dúvidas como essas são mais raras entre professores de língua portuguesa que, quando necessário, utilizam seus instrumentos de trabalho: dicionários, gramáticas, entre outros. Mas para quem nem sempre tem esse tipo de ferramenta à mão ou tem dificuldade de usá-las, existe o Telegramática, um serviço criado em 1985 pela prefeitura de Curitiba (PR) que, via telefone ou Internet, tira todo tipo de dúvida sobre a língua materna.

Vinculado à Secretaria de Educação, conta com seis consultores atendendo diariamente (de segunda à sexta das 8h às 12h e das 14h às 18h) ligações de todo o Brasil e até do exterior. Todos são professores concursados de língua portuguesa que passaram por um processo seletivo interno da secretaria para trabalhar no Telegramática

Beatriz de Castro Cruz, coordenadora do Departamento de Planejamento e Informações Educacionais, da Secretaria Municipal da Educação, é a responsável pelo serviço que, em 2012, fez mais de 51 mil atendimentos. Ela conta que as dúvidas mais frequentes são sobre o uso da crase e o novo acordo ortográfico. “A partir de 2008, quando as editoras passaram a utilizar o novo acordo em suas publicações, a pesquisa se intensificou e o nosso trabalho aumentou. As perguntas geralmente são sobre prefixos, sufixos e uso da crase e do hífen”, explica. Beatriz – que também participa da Olimpíada de Língua PortuguesaEscrevendo o Futuro como formadora de professores – está há 13 anos na coordenação do Telegramática.

Quem tem mais dúvidas; e o ‘tesouro’ linguístico do Telegramática 

“Advogados, funcionários de empresas que preparam relatórios, funcionários de administradoras de condomínios que redigem atas, redatores publicitários, jornalistas e revisores são os que mais ligam”, afirma Valentina Nedbajluk, uma das consultoras do Telegramática. Valentina também confirma que são poucos os professores (apenas 4,17% do total), de várias disciplinas, que realizam consultas. A mesma coisa em relação ao número de estudantes que não chega a ser representativo, mesmo em época de provas e vestibulares.

Muitos brasileiros no exterior usam o serviço: “Recebemos ligações de brasileiros que estão na Espanha, França, Portugal e, mais recentemente,  uma brasileira que mora há muito tempo na Holanda tem utilizado o nosso portal on-line para tirar algumas dúvidas, pois ela está ensinando português para amigos”, diz a consultora.

“Procuramos sempre perguntar para o consulente a situação de produção/comunicação e, a partir da resposta, conversamos sobre qual seria a linguagem mais apropriada”, afirma Beatriz. Mas nem toda questão dá para ser respondida “de cabeça”. Para isso os consultores trabalham numa sala com mais de mil livros. “Temos gramáticas que vão desde Napoleão Mendes de Almeida, mais 'purista', até Maria Helena de Moura Neves. E os dicionários são vários: Houaiss, Aurélio, Michaelis, Caldas Aulete, Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, entre outros. Além dos dicionários especializados de regência, concordância, pontuação e outros, também temos os específicos de moda, sexo, filosofia, sociologia, marketing, medicina, linguística, direito, administração e economia, geografia, informática, Internet, psicologia, ‘do bar’ e tantos mais. Ainda temos os de outras línguas: francês, alemão, italiano, inglês, tupi-guarani, latim, espanhol, árabe, grego, latim forense, expressões latinas; e livros de estudos de linguística”, diz a coordenadora quase num fôlego só.

Com tantos anos de atuação, o Telegramática acumulou um tesouro linguístico. Os consultores criaram um índice remissivo para arquivar palavras não dicionarizadas citadas pelas pessoas que buscam informações. Já anotaram mais de 11 mil vocábulos novos ou que adquiriram significados novos. A palavra “barraqueiro”, por exemplo, que, nos dicionários, designava apenas o “dono da barraca”, já aparecia muito antes em consultas com o significado que só recentemente foi registrado no Dicionário Houaiss: “que ou aquele que arma ‘barracos’, faz escândalos, dá vexames; desordeiro”.  Esse e muitos termos usados por viciados em drogas, caubóis, homossexuais e operários acabam registrados (veja outros abaixo). “Após a palavra ser incorporada oficialmente à língua, o termo sai do nosso índice. Mas se a nossa definição é mais ampla, mais completa, ela permanece”, diz Beatriz.


Conheça histórias de consultas “pitorescas” lembradas por Beatriz Cruz e Valentina Nedbajluk:

Após dar o significado de uma palavra solicitada por uma criança, a consultora perguntou:
— Isso cabe no contexto?
A criança respondeu:
— Cabe sim, eu deixei mais linhas.

Outro consulente pergunta:
— "Já" tem acento?
— Sim, responde o consultor.
— Onde?, pergunta o consulente.

Noutra situação, uma pessoa liga e profere pausadamente:
— O que é ver-a-ci-da-de?
O consultor não entendeu bem, e, enquanto raciocinava "ver a cidade", pensando em “ver”, verbo; “a cidade”, complemento do verbo, perguntou:
— Que exercício é esse? É análise sintática?
Depois de alguns ‘ruídos’ na comunicação, o consultor entendeu que a pessoa queria a definição da palavra "veracidade".

Dúvidas sobre palavras relativas ao sexo e à sexualidade são frequentes. Houve uma situação em que uma consultora super tímida teve que explicar o significado de uma expressão "indecorosa" em meio ao silêncio da sala. Ela ficou vermelha, mas continuou a explicação, em tom sério.

Veja algumas palavras registradas pelo Telegramática e que não estão no dicionário:

BANDECO - A marmita comida pelo peão (vocabulário dos peões).

PORCENTEIRO - Trabalhador da lavoura e do garimpo que recebe parte da produção como pagamento (vocabulário da Rodovia BR-364).

REPUNAR - Diz-se quando algo é indigesto, de sabor desagradável (vocabulário da região do Pantanal).

VORONOFIZAR - Rejuvenescer, dar aparência de novo (derivado de Serge Vornoff, cirurgião russo que se tornou mundialmente conhecido por seus trabalhos na área do rejuvenescimento).
DESPESCA - Apurar o ouro depois de 30 horas de trabalho da draga (vocabulário da Rodovia BR-364).

GUAXEBA - Seguranças armados que fiscalizam as fazendas (vocabulários dos peões).

INJEQUÊ - Recipiente (termo da língua cupoia, 'inventada' e falada pelos membros da Comunidade Cafundó, em Salto de Pirapora/SP, com apenas 160 palavras de origem africana, 15 verbos e dois advérbios).


SERVIÇO:
Telegramática está disponível de segunda a sexta-feira, das 8 às 12h e das 14 às 18h pelo telefone (41) 3218-2425. Também podem ser feitas consultas pelo site: www.cidadedoconhecimento.org.br.


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